DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA COVID-19 E DA EXPOSIÇÃO AO SARS-CoV-2
Publicado em: 21/07/2020, 13:00
O rápido avanço da pandemia causada pelo novo Coronavírus vem colocando em risco grande parte da população mundial. Devido ao alto poder de contágio do vírus e à gravidade da apresentação clínica em parcela significativa dos pacientes infectados, a doença também tem causado enorme pressão sobre os sistemas de saúde e sobre os profissionais que atuam na linha de frente de atendimento.
Por ser uma doença nova, com muitos detalhes da fisiopatologia ainda sendo caracterizados, dúvidas e atualizações nos protocolos de diagnóstico, conduta e tratamento tem sido uma constante. Assim, um roteiro diagnóstico simplificado, de fácil compreensão, mas também acompanhando as atualidades no conhecimento técnico e científico sobre a doença, pode ser de grande auxílio para estes profissionais.
A COVID-19 (Coronavirus Disease 2019) é a doença causada pelo novo Coronavírus SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2), um RNA vírus. A doença é transmitida basicamente de pessoa a pessoa através de gotículas produzidas nas vias respiratórias das pessoas infectadas, e lançadas no ambiente através da tosse, espirros ou secreções. A pessoa se infecta ao inalar ou introduzir na boca, olhos ou mucosa nasal as partículas contaminadas com o vírus. O período de incubação dura em média 5 a 6 dias, podendo se estender de 1 a 14 dias. Estudos recentes indicam que, após o contágio, pacientes infectados podem transmitir o vírus mesmo no período de incubação, antes do aparecimento dos sintomas, até os estágios finais de evolução da doença.
Manifestações clínicas
Os principais sintomas reportados são a febre, tosse seca e fadiga. Outros menos comuns são anorexia, mialgias, dor de garganta, cefaleia, congestão nasal, conjuntivite, erupções cutâneas, diarreia, perda do olfato e paladar. A grande maioria dos pacientes são assintomáticos ou desenvolvem apenas quadros leves que evoluem para melhora clínica em geral dentro de 1 semana.
Alguns pacientes desenvolvem quadros graves com complicações necessitando de internação hospitalar, podendo apresentar dispneia, pneumonia, insuficiência respiratória, renal, cardíaca, septicemia, falência de múltiplos órgãos e evoluir para óbito. O agravamento do quadro pode ser súbito e em geral ocorre na segunda semana de evolução da doença. Os fatores de risco mais comuns associados com quadros graves são a idade avançada, doenças cardíacas e pulmonares, diabetes, hipertensão arterial e câncer.
Apesar do quadro clínico de COVID-19 em geral apresentar algumas características típicas sugestivas da doença, estas não são específicas podendo ocorrer apresentações similares em diversas outras condições inflamatórias e infecciosas. Por este motivo a conclusão do quadro é realizada através do diagnóstico laboratorial.
Quadro laboratorial geral
Dependendo da apresentação clínica, especialmente em pacientes que necessitam internação hospitalar, alterações laboratoriais são comuns porem inespecíficas. As mais frequentes são as elevações de Aminotransferases (ALT e AST), Desidrogenase Lática (LDH) e dos marcadores inflamatórios Ferritina, Proteína C Reativa (PCR) e Velocidade de Hemossedimentação (VHS). O Hemograma é bastante frequente apresentar linfopenia, enquanto a contagem total de leucócitos (Leucograma) pode mostrar tanto leucocitose quanto leucopenia. Elevação da Procalcitonina pode ocorrer nos casos que evoluem com gravidade, associados a infecções bacterianas secundárias. Alterações nos exames de coagulação são comuns, incluindo elevação do Tempo de Protrombina (TP) com Tempo de Tromboplastina Parcial (TTPA) normal ou discretamente elevado. Valores bastante elevados do Dímero D mostram associação com a gravidade da doença e aumento no risco de mortalidade.
Diagnóstico laboratorial específico
Os exames laboratoriais específicos apresentam três tipos principais de aplicações, que estão relacionadas ao estágio da infecção em que o paciente se encontra: a detecção precoce da exposição ao vírus antes do aparecimento dos sintomas, o diagnóstico do quadro agudo e monitoramento da evolução clínica, e o rastreamento da exposição ao SARS-CoV-2.
Os principais métodos e técnicas disponíveis atualmente para realização dos exames específicos podem ser classificados em dois grupos:
- Diretos: aqueles que fazem a detecção do vírus, como o RT-PCR e os testes rápidos imunocromatográficos para detecção de antígeno viral
- Indiretos: os que detectam a resposta imune ao vírus, como as pesquisas de anticorpos. No momento encontram-se disponíveis testes rápidos imunocromatográficos para detecção de anticorpos totais, IgM ou IgG, os quais podem ser realizados em amostras de sangue total, soro ou plasma e, eventualmente, em sangue capilar. Também estão disponíveis testes laboratoriais por método de ELISA para detecção de anticorpos totais, IgM, IgA ou IgG, testes por quimioluminescência para detecção de anticorpos totais, IgM ou IgG, além de teste por eletroquimioluminescência para detecção de anticorpos totais. Estes podem ser realizados com amostras de soro ou plasma. A grande maioria destes testes utiliza como antígeno para detecção dos anticorpos a proteína da espícula (Spike) viral, do domínio de ligação ao receptor (RBD – Receptor Binding Domain) da espícula viral, ou a proteína do nucleocapsídeo viral.
a) Detecção precoce de novos casos
A detecção precoce tem como principal objetivo identificar pacientes infectados, antes do aparecimento dos sintomas, permitindo assim instituir isolamento e evitar a transmissão para outras pessoas. Essa estratégia é importante em contactantes de pessoas infectadas, e pode ser realizada a partir do segundo dia da exposição mas a sensibilidade aumenta a partir do terceiro dia. O exame mais adequado para a detecção da infecção nesse momento é o RT-PCR em tempo real utilizando amostras de secreção de orofaringe e nasofaringe, colhidas com a introdução de swab nessas vias. Como alternativa ao RT-PCR, a pesquisa de antígeno viral pode ser realizada através de testes rápidos imunocromatográficos disponíveis, utilizando os mesmos tipos de amostra que o RT-PCR. Tem a vantagem de poder oferecer um resultado imediato, porém a desvantagem de uma sensibilidade inferior ao RT-PCR. A probabilidade de obtenção de resultado positivo aumenta quando a coleta é realizada a partir do quinto dia da infecção. Os imunoensaios para detecção de anticorpos praticamente não tem utilidade nesse momento devido à baixa sensibilidade, em geral é um período de janela imunológica.
b) Diagnóstico do quadro agudo
Para os pacientes apresentando quadro agudo com suspeita de COVID-19, o padrão ouro para confirmação laboratorial indicado nos protocolos oficiais do Ministério da Saúde é o RT-PCR com amostra de swab de oro e nasofaringe, podendo também ser utilizado aspirado de nasofaringe, lavado traqueal, lavado bronco-alveolar e eventualmente escarro. A coleta de amostra deve ser realizada até o sétimo dia de início dos sintomas e preferencialmente até o terceiro, para evitar a ocorrência de resultado negativo devido a eliminação precoce do vírus. Nesse sentido é importante ressaltar que o RT-PCR também pode estar sujeito a resultados falso negativos em amostras de má qualidade, por coleta inadequada contendo pouco material, coleta realizada em fase muito precoce ou muito tardia da infecção, ou por acondicionamento inadequado. Nos casos de resultados negativos em pacientes com alta probabilidade clínica de COVID-19, é indicado repetir o teste e, caso seja possível, utilizando amostras do trato respiratório inferior. O PCR também pode ser utilizado para o monitoramento da evolução do quadro clínico, visto que um resultado negativo em paciente com resolução dos sintomas indica ausência de replicação viral e a possibilidade de encerramento do isolamento por não oferecer mais risco de contágio. Uma alternativa interessante para o diagnóstico do quadro agudo pode ser a utilização dos testes rápidos imunocromatográficos para detecção de antígeno viral. Tem indicação de uso e boa sensibilidade a partir do início dos sintomas até em torno de uma semana após, porém como citado anteriormente sempre deve-se levar em consideração a possibilidade de resultados falso negativos em amostras colhidas muito precocemente, colhidas de modo inadequado ou mal preservadas. Os exames para pesquisa de anticorpos podem ser uma terceira opção, porém apresentam grande limitação logo no início dos sintomas pelo fato da janela imunológica poder persistir até aproximadamente uma semana após o início do quadro clínico, ou eventualmente até períodos bem mais longos. Por este motivo e também pela possibilidade de resultados falso positivos devidos a reações cruzadas com anticorpos decorrentes de outras patologias, sempre é indicada a realização de confirmação através de RT-PCR. Os testes para anticorpos totais e para IgA vem demonstrando sensibilidade discretamente superior no diagnóstico do quadro agudo, iniciando positividade em torno do sétimo dia após o início dos sintomas enquanto o IgM pode aparecer no mesmo dia ou geralmente um dia após e, em algumas situações, pode nem ser detectado. Os anticorpos IgG tem mostrado tendência de aparecimento mais tardio, podendo ser em torno de duas semanas após o início dos sintomas e em algumas situações até mais de um mês.
c) Rastreio da exposição ao SARS-CoV-2
O rastreio da exposição prévia ao SARS-CoV-2 em indivíduos que não apresentaram nenhuma sintomatologia típica, ou naqueles que apresentaram sintomas mas não realizaram a confirmação diagnóstica laboratorial no momento do quadro agudo, tem aplicação para a avaliação epidemiológica populacional da exposição, e para avaliação do status imune individual. Acredita-se que a presença dos anticorpos de memória possa promover proteção evitando a reinfecção ou recidiva, apesar de ainda não haver comprovação científica dessa hipótese. Nessa situação o exame mais indicado é a pesquisa de anticorpos IgG ou de anticorpos totais. Não estão indicados neste caso os testes de pesquisa direta do agente como o RT-PCR, ou o de antígeno viral, pelo fato de em geral se tornarem negativos logo após a resolução do quadro agudo. Também não estão indicados os testes de anticorpos IgM e IgA, pelo fato de mostrarem redução dos níveis séricos e até negativação do teste já em torno do primeiro mês após a resolução do quadro agudo.
Na Figura 1 apresentamos um esquema mostrando uma provável evolução temporal destes biomarcadores, para permitir uma análise comparativa e facilitar a indicação e a interpretação do resultado dos exames.
Publicado por: Revista Laes&Haes - Leia na íntegra aqui!
Referências
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