MARCADORES NUCLEARES NA DETECÇÃO DO LÚPUS
Publicado em: 30/03/2021, 18:56
Doenças autoimunes são condições em que o sistema imune de uma pessoa acaba “agredindo” os próprios tecidos e órgãos, em geral ocasionando lesões de natureza crônica que precisam de tratamento e acompanhamento adequados. Constituem-se num importante problema de saúde pública, visto que alguns estudos apontam prevalência geral de 3 a 5% na população mundial.
Essas condições podem ser classificadas em órgão-específicas ou sistêmicas e, praticamente, todos os órgãos ou sistemas podem ser atingidos. Atualmente mais de 80 diferentes doenças já foram descritas. Entre elas, estão: Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), Síndrome de Sjögren (SS), Artrite Reumatoide (AR), Esclerose Sistêmica Progressiva, Polimiosite e Doença Mista do Tecido Conjuntivo (DMTC).
As causas são extremamente complexas. Além disso, muitas vezes as apresentações clínicas destas doenças têm características comuns entre elas e até mesmo com outras, de natureza inflamatória e infecciosa, tornando desafiador o diagnóstico correto. Em praticamente todas elas, ocorre a formação de autoanticorpos contra antígenos existentes nos tecidos afetados. Cada doença costuma apresentar um ou um grupo de autoanticorpos característico, permitindo, desse modo, que os autoanticorpos sejam utilizados como marcadores para auxiliar no diagnóstico laboratorial das doenças investigadas.
O primeiro método de detecção de autoanticorpos antinucleares foi a pesquisa de células LE (Lupus Erythematousus Cell), em 1948. Deu-se em um exame microscópico de esfregaço de medula óssea de um paciente com LES, onde observou-se um neutrófilo contendo uma inclusão citoplasmática grande, arredondada, homogênea e levemente acidófila, que deslocava o núcleo do polimorfonuclear para a periferia.
Nove anos depois, com o desenvolvimento de técnicas de imunofluorescência indireta (IFI), surgiu um exame conhecido como FAN (Fator Antinuclear), mais sensível e de execução mais fácil que a pesquisa de células LE. Alguns anos depois, em 1982, o exame FAN passou a fazer parte dos critérios revisados do American College of Rheumatology, como um dos critérios diagnósticos do LES.
O termo tradicional FAN, atualmente, tem sido designado como “pesquisa de autoanticorpos anticélula”, tendo em vista que, anteriormente, não se caracterizavam adequadamente os autoanticorpos dirigidos contra outras estruturas celulares, por exemplo, contra os antígenos do nucléolo, do citoplasma e do aparelho mitótico celular. Assim como ocorre com todos os exames laboratoriais, o tempo trouxe diversas implementações à pesquisa do FAN, sendo válido ressaltar que a evolução científico-tecnológica promoveu mudanças significativas que agregaram informações ao teste.
Tal evolução permitiu um aumento na sensibilidade do teste, que pode alcançar valores de até 93-100%. Desse modo, melhora também a capacidade de triagem de pacientes em investigação para doenças autoimunes. O teste atualmente é realizado utilizando-se como substrato células conhecidas como HEp-2, que permitem a visualização de várias estruturas celulares e fases do ciclo celular. Além disso, atualmente a análise microscópica do FAN pode ser realizada em equipamentos automatizados combinados com sistemas de digitalização, que realizam a leitura das lâminas e armazenamento das imagens, permitindo desse modo uma melhor padronização na análise.
Apesar disso, todo este ganho em sensibilidade eventualmente trouxe algum prejuízo na especificidade, pois resultados reagentes podem, em algumas situações, ser observados em amostras de alguns indivíduos sem evidência clínica ou laboratorial aparente de doença autoimune.
O LES é, possivelmente, uma das doenças autoimunes mais conhecidas, na qual frequentemente são encontrados autoanticorpos reativos contra antígenos celulares. No Brasil, estimam-se 65 mil pacientes, segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia. A doença atinge mais o sexo feminino, com cerca de 1 caso para cada 1.700 mulheres no país. Trata-se de uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de natureza autoimune, cujo diagnóstico é realizado na avaliação das condições clínicas do paciente e de um conjunto de parâmetros laboratoriais.
As manifestações clínicas dessa patologia acometem, na maioria dos casos, as articulações, a pele, os vasos sanguíneos, as membranas serosas, os rins e o cérebro. Por ser considerada uma doença multissistêmica, de início insidioso e com apresentação clínica variável, o diagnóstico pode ser difícil, principalmente, na avaliação inicial. Dessa forma, nenhuma alteração clínica ou laboratorial, isoladamente, faz o diagnóstico de LES, apesar de algumas dessas alterações serem muito sugestivas de tal enfermidade.
A doença não tem cura, mas o controle da sua atividade pode ser realizado preferencialmente pelo uso de corticoides e imunossupressores, fármacos que têm vários efeitos colaterais, como hipertensão arterial, diabetes, osteoporose e neoplasias, entre outros.
O laboratório de apoio Diagnósticos do Brasil tem alta tecnologia para a realização dos exames que colaboram com a detecção da doença, os testes estão disponíveis aos mais de 5.500 laboratórios credenciados em todo o Brasil por meio dos códigos FAN e DNADP. O laboratório também presta assessoria científica e médica para discussão do exame. Dessa forma, identificar, e até mesmo predizer a atividade da doença é de extrema importância para um planejamento adequado do tratamento.
REFERÊNCIAS
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Matéria retirada da revista Labornews